COMO OCORRE?
Durante a gestação, existe uma comunicação da cavidade abdominal com a bolsa escrotal nos meninos e com os grandes lábios vaginais nas meninas. Essa comunicação se dá por uma projeção do peritônio (tecido que reveste a cavidade abdominal) chamada conduto peritônio-vaginal ou processo vaginal, através do qual o testículo desce até a 35a semana de gestação nos meninos. Até o 9o mês, o processo vaginal se fecha, restando um pequeno resquício dele em seu ponto mais distante chamado túnica vaginal. Algumas crianças apresentam falha nesse processo de fechamento, gerando hérnia inguinal, hidrocele ou mais raramente cisto de cordão.
QUAL A DIFERENÇA ENTRE HÉRNIA INGUINAL E HIDROCELE?
A falha de fechamento do processo vaginal é o mecanismo de formação comum a ambas as patologias. Quando a falha envolve apenas na porção final, ocorre acúmulo de líquido na túnica vaginal ao redor do testículo, chamado hidrocele não-comunicante. Quando persiste uma comunicação estreita que só permita a passagem de líquido entre a túnica vaginal e a cavidade abdominal ocorre a hidrocele comunicante. Por sua vez, na hérnia inguinal a falha de fechamento é maior. A hérnia inguinal pode se estender até diferentes pontos no caminho do processo vaginal, desde a virilha até a bolsa escrotal, quando é denominada hérnia inguino-escrotal, podendo algumas vezes pode ser confundida com uma hidrocele comunicante de grande volume. O cisto de cordão é uma entidade mais rara, na qual o defeito de fechamento ocorre em um segmento intermediário do processo vaginal.
O diagnóstico diferencial entre as duas pode ser facilmente realizado no consultório pela técnica de transiluminação, uma vez que o conteúdo herniário não permite a passagem da luz como ocorre na hidrocele.
QUANDO SUSPEITAR?
A hérnia inguinal é mais comumente notada pelo abaulamento notado na região da virilha, mais evidente em situações de esforço que aumentem a pressão intra-abdominal, como o choro e a evacuação nas crianças menores, ou após atividade física ou longos períodos em pé nas crianças maiores e adolescentes. Estes últimos frequentemente queixam-se de dor na região. Nessa situação medidas como manter a criança deitada, relaxada e com os membros inferiores elevados facilitam a redução espontânea da hérnia, aliviando o desconforto. Por isso, geralmente elas são menores quando a criança está dormindo.
A hidrocele se apresenta como aumento da bolsa escrotal, uni ou bilateral. Em geral não causa dor, a menos que atinja grande tamanho. Quando ocorre variação de tamanho ao longo do dia sugere a forma comunicante, que é a mais comum.
É COMUM?
A hérnia inguinal acomete cerca de 1 a 4% das crianças, sendo mais comum o aparecimento nos 2 primeiros anos de vida e pelo menos 3 vezes mais frequente em meninos. Em 10% dos casos o problema é bilateral.
A hidrocele ocorre em 6% dos meninos, sendo muito mais comum no primeiro ano de vida.
É PERIGOSO?
Na maioria dos casos, a hérnia inguinal não causa maiores problemas além da dor, entretanto a principal complicação é o encarceramento, situação em que o conteúdo herniário não reduz espontaneamente, ficando preso. Geralmente é acompanhado de endurecimento e dor maior que a habitual. É uma emergência e a criança deve ser levada imediatamente ao hospital para que um médico habilitado possa reduzir o conteúdo, em geral o intestino, de volta para a cavidade abdominal. A hérnia inguinal encarcerada, se não tratada, reduz o fluxo sanguíneo da estrutura presa, fenômeno denominado de hérnia estrangulada, causando obstrução e até necrose intestinal por má oxigenação do tecido. Tal complicação é mais comum em bebês no primeiro ano de vida, por isso nessa faixa etária deve-se tratar a hérnia inguinal com mais rapidez.
QUANDO OPERAR?
A hérnia inguinal não apresenta resolução espontânea, portanto a cirurgia de correção deve ser planejada no momento do diagnóstico. No caso de bebês, o tratamento deve ser abreviado, preferencialmente não ultrapassando 3 a 4 semanas, pelo maior risco de complicações.
A hidrocele não comunicante se resolve espontaneamente na maioria dos casos, podendo ser acompanhada pelo Cirurgião Pediátrico até os 2 anos de idade. Antes disso a cirurgia só está recomendada para os casos que apresentem dor ou associação com hérnia inguinal. Após os 2 anos a correção cirúrgica está indicada para todos os pacientes que persistam com hidrocele.
A maior discussão está nos casos de hidrocele comunicante. Apesar de haver estudos mostrando que alguns casos podem se resolver sem cirurgia até os 2 anos, a maioria dos Cirurgiões Pediátricos opta pela abordagem cirúrgica precoce, uma vez que existe a chance de evolução para hérnia inguinal, pois o mecanismo de formação é o mesmo.
COMO É A CIRURGIA?
EXPLORAÇÃO CONTRALATERAL
Estudos mostram que em média 15 a 20% das crianças que se apresentam com hérnia inguinal unilateral, possuem persistência do processo vaginal do outro lado e desenvolveram hérnia inguinal contralateral. Esse índice é maior em crianças abaixo de 1 ano de idade. Por essa razão muitos Cirurgiões Pediátricos têm a conduta de operar os dois lados em crianças nessa faixa etária mesmo quando o defeito se manifesta em apenas um dos lados.
CRIANÇAS PRECISAM DE TELA?
Com raríssimas exceções, crianças não necessitam de tela para o reparo de hérnia inguinal, pois diferentemente dos adultos, a patologia não envolve defeito muscular.
RECUPERAÇÃO
A criança tem alta no mesmo dia da cirurgia. Apesar de poder ocorrer algum edema nos primeiros dias em geral há poucas queixas de dor e os processos inflamatórios são raros. No 3o a maioria das crianças se movimenta e brinca normalmente, e em cerca de 7 dias a criança retorna sem problemas à escola. Recomenda-se 30 dias de afastamento das atividades físicas forçadas. O reaparecimento da hérnia é muito incomum, ocorrendo em menos de 1% dos casos.